O Mestre
Casa da Cultura Caipira – Memória Viva de um Sonho Plantado na Roça
A Casa da Cultura Caipira nasceu do sonho de um homem da terra: José Alves de Mira, o Zé Mira, lavrador sem letras, mas cheio de palavras, cantos e saberes. Ao lado de sua companheira, Nair Toledo de Mira, parceira de vida e de fé, deixou a cidade mineira de Cristina rumo ao interior paulista, na década de 1940. Criaram raízes entre Jambeiro e São José dos Campos, em busca de horizontes mais largos para os nove filhos.
Homem de muitos ofícios — tropeiro, agricultor, pedreiro, violeiro — Zé Mira dizia com orgulho: “sou um homem de catorze ofício; trabaio no cabu da inchada durante a semana e discansu no braçu da viola no finá di semana.” Entre a lida na roça e a vida cultural, dividia-se sem nunca se afastar de suas origens.
Seu modo de viver expressava a essência caipira: o jeito de falar, rezar, tocar, dançar e contar causos. Mestre das Folias de Reis e do Divino, capitão de Moçambique, dançador de catira, compositor de modas simples e profundas. Músico “de ouvido”, tocava cavaquinho, acordeom, viola, violão e até viola de cocho. Suas canções falam das matas, dos bichos, dos rios e da fé — um canto de amor à terra e ao seu povo.
Nos anos 1980, sua trajetória inspirou a jornalista Lídia Bernardes a escrever o livro Nas trilhas do Zé Mira, abrindo caminho para o reconhecimento público de sua importância. Foi fundador e integrante de grupos como a Orquestra de Viola Caipira, o Grupo Piraquara de Danças Folclóricas e o Raízes do Vale. Comunicador nato, levou seus saberes às rádios, TVs, escolas e centros culturais, sempre com a viola no peito e o sorriso no rosto.
Sentindo falta de um espaço onde a cultura popular pudesse florescer com liberdade, passou a sonhar com uma casa para acolher ensaios, encontros e saberes. Em 2004, esse sonho ganhou paredes, telhado e chão: com apoio de sua família e da EDP São Paulo, foi fundada a Casa de Cultura Caipira. Um lugar para a memória viva do povo simples e criador.
Zé Mira partiu em 2008, aos 82 anos, deixando um legado que encanta até hoje. A Casa segue viva com suas rodas de viola, encontros de folias, moçambique, catira, oficinas de arte, literatura, cinema e música. Em 2013, seu nome ecoou em todo o país, ao ser reconhecido como Mestre Cultura Viva In Memoriam.
